Para aprovar um auxílio por alguns meses com valor menor e para metade dos beneficiários, governo Bolsonaro quer retirar ganhos sociais conquistados com muita luta e desmontar o Estado
O governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) está articulando no Congresso Nacional uma verdadeira chantagem em troca de votos para aprovar um novo auxílio emergencial para trabalhadores e trabalhadoras informais e desempregados, os brasileiros mais afetados pelo isolamento social fundamental para conter a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Para pagar três ou quatro parcelas de apenas R$ 250 a 32 milhões de pessoas – menos da metade do valor do auxílio pago no ano passado a mais de 60 milhões de brasileiros -, o governo exige que os deputados e senadores aprovem medidas como o fim da obrigatoriedade dos governos federais, estaduais e municipais terem investimento mínimo em saúde e educação, como prevê a Constituição e o congelamento dos salários de servidores federais, estaduais e municipais, quando a dívida da União atingir 95% e 85% da sua receita.
Outra exigência é o fim do repasse de 28% do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), medida que prejudica empréstimos voltados à recuperação da economia e geração de empregos; e induz a privatização de estatais em função do tamanho da dívida pública.
À frente da articulação para aprovar medidas perversas em troca de um auxílio com valor mínimo estão o senador bolsonarista, Márcio Bittar (MDB-AC), que em seu relatório uniu as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) Emergencial (nº 186) e a do Pacto Federativo (nº188), e o ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes. Confira abaixo os principais pontos do relatório.
Só desgraça
O texto de Bittar impede ainda, de vez, a volta da Política de Valorização do Salário Mínimo, idealizada pela CUT e implantada no governo Lula. Desde que assumiu a Presidência em 2018, Jair Bolsonaro (ex-PSL) não reajusta o mínimo acima da inflação. Pela PEC, qualquer presidente ficará proibido de retomar essa política enquanto vigorarem os chamados gatilhos de gastos.
Entre os principais pontos do texto estão a criação de uma cláusula de calamidade pública, que a exemplo do orçamento de guerra, exclui as despesas com o auxílio emergencial, que o governo estima ser entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões, da meta de superávit primário do Teto de Gasto e da regra de ouro.
Segundo o economista e assessor técnico da bancada do PT no Senado Federal, Bruno Morretti, em nenhum momento o relatório da PEC traz de volta os incentivos aos micro e pequenos empresários como Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), e nem o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) que reduziu jornadas e salários e suspendeu contratos de trabalho, em troca da estabilidade, por um período, dos empregos.
De acordo com Moretti, o texto do relator da PEC chama de auxílio residual, o que demonstra que não serão pagos os R$ 600,00 possíveis graças ao Orçamento de Guerra, que evitou que os gastos do governo batessem no Teto de Gastos Públicos. Como o orçamento de 2021 do governo, ainda não votado pelo Congresso Nacional, está no limite do Teto, não há espaço para aumentar a despesa, e a única hipótese para pagar um novo auxílio sem atingir o Teto seria uma previsão na Constituição.
“O governo apenas previu um auxílio por alguns meses com valor e cobertura menores. Em troca, quer retirar ganhos sociais e desmontar o Estado com o fim dos mínimos obrigatórios de saúde e educação”, diz o economista e assessor técnico da bancada do PT no Senado Federal .
“As novas regras fiscais contidas na PEC que o governo quer implantar, não são para pagar o auxílio emergencial. É simplesmente uma chantagem, que coloca um monte de ‘jabutis’ [ novas regras sem relação com o foco principal da PEC] . É a destruição do Estado. Não tem sentido de uma coisa pagar a outra”, analisa Moretti.
Para voltar a conceder auxilio emergencial, o governo Bolsonaro coloca uma série de chantagens, destruindo o financiamento da educação e saúde do país, prejudicando a população que precisa de um serviço público de qualidade e, inclusive, os servidores que combatem na linha de frente a pandemia, e desmontando instrumentos do Estado para financiar a área social
Para entender os prejuízos que toda a população brasileira vai pagar em troca do auxílio, que embora seja urgente e necessário, está sendo utilizado por Bolsonaro como vantagem política numa eventual reeleição em 2022, enumeramos os pontos principais do relatório. A análise foi feita por Bruno Morretti.
Fim da obrigação dos gastos com saúde e educação
O texto do relatório acaba permanentemente com a obrigação de estados, municípios e União de investir o mínimo em educação e saúde, previsto na Constituição Cidadã de 1988. As despesas destinadas ao Fundo de Educação Básica (Fundeb) também deixam de ser obrigatórias para essa área.
Cada ente federativo poderá gastar seu orçamento como quiser. Atualmente para educação, estados e municípios precisam investir 25% da receita. No caso dos serviços de saúde, é de 12%, para estados, e 15% para prefeituras.
O texto da PEC também proíbe a criação de qualquer despesa obrigatória, como a contratação de médicos, como foi o caso da criação do Programa “Mais Médicos”.
“A PEC extingue de vez toda a obrigatoriedade com o custo da educação e saúde pública no Brasil. O relator não inclui recursos para despesas adicionais para o SUS. Ou seja, estados e municípios não poderão contratar leitos hospitalares adicionais durante a pandemia, nem médicos. O orçamento deste ano já prevê uma redução de R$ 37 bilhões para a saúde pública, e a PEC não recompõe este valor, num momento de pandemia”, critica o economista.
No Brasil, da vacina ao transplante, o país gasta R$ 3,79 por dia com cada pessoa. É o plano de saúde mais barato do mundo. Sem a obrigatoriedade dos governos gastarem o mínimo em saúde, pode ser o fim do SUS
Criação de novas regras fiscais que congelam salários de servidores
]A PEC, na prática, amplia o atual congelamento do salário de servidores públicos, que hoje está previsto para durar até o final de 2021. A nova regra deve perenizar a proibição pelos próximos anos. Isto porque pelo relatório do senador Márcio Bittar, quando as despesas obrigatórias da União atingirem 94% da despesa sujeita ao Teto de Gastos, ficará proibido reajustar os salários dos servidores públicos federais, mesmo para repor a inflação. Alcançando este indicador também será proibida a criação de despesa obrigatória , o que pode inviabilizar gastos para o combate à pandemia do novo coronavírus.
Quando as despesas chegarem a 85% das receitas dos estados e municípios, o poder público, de forma opcional, pode acionar as medidas de contenção de gasto, incluindo vedação de reajuste salarial, ainda que para recuperar perdas inflacionárias.
Em resumo: servidores federais, estaduais e municipais serão sacrificados diante das crises que afetem as contas públicas.
" Sem sequer reposição salarial, o servidor público vai empobrecer", afirma Moretti.
Pá de cal na Política de Valorização do Salário Mínimo
Hoje reajustar o salário mínimo (R$ 1.100,00) acima da inflação, ou não, é uma decisão política do presidente, já que em 2019 acabou a Política de Valorização do Salário Mínimo. Desde que assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro não aplica reajustes acima da inflação, o que beneficiaria pelo menos 23 milhões de aposentados e demais beneficiários do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que administra o Regime Geral da Previdência Social que ganham o piso nacional.
Se a PEC for aprovada, de acordo com o relatório do senador bolsonarista, o salário mínimo, assim como as aposentadorias e pensões do INSS não poderão mais ser reajustadas acima da inflação enquanto estiverem acionados os gatilhos do teto de gastos nos próximos anos.
Estímulos à privatização
O texto do relator tem uma pegadinha, a do ‘equilíbrio fiscal intergeracional’. Pela regra, o governo federal não pode “colocar em risco” o futuro financeiro das próximas gerações e , para isso, segundo os conservadores, é preciso manter a sustentabilidade da dívida pública. Caso isto não seja possível, a PEC libera a venda de ativos, o que nada mais é do o governo privatizar as estatais.
“O problema da PEC é que limita ainda mais os gastos públicos em tempos de crise, o que o mundo inteiro está revendo em função da pandemia. A dívida aumenta em nível mundial. Mas, o governo daqui toma uma série de medidas com gatilhos de mais redução de gastos, quando precisava ampliar os investimentos para combater a pandemia e recuperar a economia”, diz.
No resto do mundo, regra fiscal serve para criar parâmetros ao governo, para ter previsibilidade orçamentária. No Brasil serve para constranger e determinar a redução do Estado
Fim do repasse do PIS/PASEP ao BNDES
A versão preliminar do relatório também prevê o fim da transferência de 28% das receitas do PIS/Pasep para o BNDES, que são recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), previstos na Constituição, para financiar os programas de desenvolvimento econômico.
“O BNDES ficará sem recursos para empréstimos de longo prazo a empresas e até mesmo para financiar obras públicas”, prevê Bruno Moretti.
Trâmite de votação da PEC
O texto do relator deverá entrar em votação no Senado Federal na próxima quinta-feira (25). Por se tratar de uma emenda constitucional, ela precisará ser aprovada em dois turnos, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse em rede social, nesta segunda-feira (22) que, assim que a matéria chegar à Casa, poderá ter tramitação prioritária e ser votada ainda em março, desde que ouvidos os líderes partidários.
Fonte: CUT Brasil | Escrito por: Rosely Rocha | Edição: Marize Muniz | Imagem: Edson Rimonatto - Rima - CUT Brasil